Ensaios de Dança

Dança da vida

Vídeo-dança como uma emergência da relação corpo-técnica em movimento

Entrevista com Luísa Machala por Priscila Patta

Na entrevista com a mestre em artes pela UFMG, Luísa Machala, iremos conversar sobre vídeo-dança (VD)– um assunto que tem se tornado cada vez mais conhecido no campo das artes, principalmente, da Dança. Ela vai nos contar sobre as especificidades e características de uma VD, sobre os seus interesses na área – que inclui um mestrado -, e em como a pesquisadora tem percebido a influência da pandemia na produção de vídeos para a dança.

“As pessoas têm procurado se informar mais e entender as especificidades de dança nesse contexto. Tem surgido mais palestras, cursos, festivais nessa área, e acredito que tem sido um movimento bastante favorável pro campo da vídeo-dança. Considero que tem sido muito importante esse tipo de produção que tem sido feito, porque tem acontecido de maneira experimental e o caráter experimental da VD foi super importante pra sua formação, os modos como ela foi construída.” Luisa Machala

 

1) Eu gostaria que você contasse como surgiu o interesse em trabalhar com vídeo-dança? Você já era envolvida com tecnologias da informação antes de ingressar no Curso de Dança?

Eu comecei a trabalhar com VD em 2016, mas percebo que o meu interesse no campo vem de muito antes. Fotógrafo desde criança, mas eu gosto de dizer que eu tenho um encantamento pela imagem há muito tempo. Mas essa passagem da fotografia pra imagem em movimento foi acontecer mais tarde. Eu integrei um coletivo que chamava Intrínseco Criações, fiz o material de divulgação de um dos espetáculos. Além das fotografias, também produzi um material em vídeo teaser. E foi nesse processo que eu vi que esse seria um caminho interessante. Me senti instigada pra pesquisar ainda mais.

2) O seu mestrado, inclusive, abordou a VD. O que esta pesquisa apresentou a você, em termos de informação relevante sobre o tema, que você desconhecia de alguma forma?

No mestrado eu desenvolvi uma pesquisa de caráter bibliográfico, e eu me propus a realizar discussões e reflexões sobre a VD a partir da perspectiva do conceito da emergência – é um conceito da teoria dos sistemas complexos. Pra fazer esse cruzamento entre  conhecimentos, eu pesquisei sobre os processos criativos na VD e sobre alguns dos possíveis princípios da VD. E pesquisando isso foi possível elencar alguns elementos consensuais pra falar sobre VD, que seria o seu caráter híbrido, por ser um campo interdisciplinar entre as áreas da Dança e do Audiovisual, e por permitir outras incursões do corpo em movimento no espaço-tempo devido a mediação tecnológica. . Perceber a VD como emergência, é entendê-la como fruto de um processo coletivo ou colaborativo, de forte contato e atrito entre as áreas, conversa entre as áreas, e entre corpo, técnica e movimento. Ao longo das pesquisas do mestrado foi possível perceber que pra compreender a VD como uma emergência da relação corpo-técnica em movimento, foi fundamental entender a técnica como agente desse processo, e não como um objeto, um instrumento do processo, algo que está ali só pra cumprir uma função, como um recurso técnico. Mas sim como algo que interfere no processo criativo. O processo criativo de VD como emergência implica abrir-se pra técnica, sempre tentando descobrir novas formas de utilizá-la, estar aberto para o que ela te entrega de diferença, estética, poética, enfim. Nesse jogo de corpo-técnica-movimento de forma dialógica é que a VD conseguiria surgir como algo que difere de um mero registro documental.

3) VD, registro de dança e videoarte, são a mesma coisa? Ou são linguagens que se diferem?

Uma das principais características da VD seria o fato dela não ser somente um registro documental de dança. Como se a gente quisesse transpor o corpo do bailarino do palco pra tela, tentando enquadrar o corpo inteiro, ou posicionando o bailarino no centro da tela – como se a gente quisesse reproduzir a perspectiva do espectador vendo o palco. A VD vai pensar a construção de uma obra dentro das especificidades do audiovisual. A VD não seria um registro da obra coreográfica, mas ela seria a própria obra. É construída para esse fim. De todos os modos, ela é um registro de dança, mas com essa diferença de construção e pensamento. O registro de dança documental é muito útil pra nossa vida. A gente faz muito uso dele. É extremamente importante no nosso dia a dia, pra análise de movimento, divulgação de processos, estratégia de criação, por exemplo, registrar improvisações. Mas o registro de dança  não se configuraria como VD, ele teria esse fim documental de análise de movimento. A vídeo-arte começa no início do século XX, mas ela é mais especificamente uma relação entre vídeo e artes visuais. Não que não seja possível que uma VD não seja entendida como uma vídeo-arte, porque pode. Mas eu diria que uma VD não necessariamente é uma vídeo-arte. A vídeo-arte parte de outras perspectivas que convergem em muitos pontos com a VD, mas tem suas especificidades inclusive estéticas, de modos de fazer, de referenciais históricos etc.

4) Quais são as suas referências local, regional, nacional e internacional em produção de VD? Você pode nos indicar um nome de cada?

As professoras Raquel Pires, da licenciatura em Dança pela UFMG, e Graziela Andrade, que foi a minha orientadora no mestrado. Os artistas do meu tempo, que estão junto comigo, criando, pensando, Flaviane Lopes, Duna Dias, Cibele Maia. Pensando numa dimensão ampla, o Festival Dança em Foco – primeiro festival feito exclusivamente para as relações de vídeo e dança. Leonel Brum, um dos idealizadores do festival, professor do curso de Dança da Universidade do Ceará. Ivani Santana, que pensa de modo geral a relação de dança e tecnologias, professora de dança da UFBA. Pensando em nível internacional, Douglas Rosemberg, pesquisador norte-americano de muita importância. E Silvina Szperling, de Buenos Aires, uma das idealizadoras do festival internacional de vídeo-dança de BA.

5) A pandemia trouxe uma modificação brusca na nossa forma de produzir arte, levando a todos nós, artistas, a necessariamente termos que nos envolver com o mundo digital – seja para produzir/participar de lives, seja para produzir/participar de vídeos exigidos por editais e outras oportunidades de trabalho -, mesmo não dominando as ferramentas. Como você avalia a produção em dança realizada no último ano, considerando tal contexto?

Com a pandemia a gente tem vivido uma realidade em que o vídeo se tornou imperativo. Desde o início da pandemia, em 2020, a gente começou a ver muitas produções sendo feitas por bailarinos que envolviam a relação com o audiovisual. Considero que foi um movimento muito interessante pra essa abertura, pra olhar pra esses modos de fazer, que se tornaram quase uma obrigação. Acho que tem surgido cada vez mais um interesse  em compreender o que é VD, qual a diferença entre isso e um registro documental de dança. As pessoas têm procurado se informar mais e entender as especificidades de dança nesse contexto. Tem surgido mais palestras, cursos e festivais nessa área, e acredito que tem sido um movimento bastante favorável pro campo da VD. Considero que tem sido muito importante esse tipo de produção que tem sido feito, porque tem acontecido de maneira experimental e o caráter experimental da VD foi super importante pra sua formação, os modos como ela foi construída. Ela nasce do experimental, e eu acho que a graça está nisso também. De certa forma eu sinto que a VD ficava de lado quando o assunto era dança, e acho que tem dado mais visibilidade pro campo. Tem surgido mais oportunidade pros artistas de VD serem remunerados pelos seus trabalhos, porque isso era raro. Espero que as pessoas conheçam cada vez mais e valorizem esse campo também.

Sobre o ensaios de dança

Canal de notícias do curso de graduação em Dança – Licenciatura na UFMG

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